Os filhos são do casal, o parto é da mulher. Com vocês o segundo texto da nossa coluna#PaiqueEntranaDança, por Guga Ferri "Passaram -se muito anos desde que entrei em contato com o universo da paternidade, a começar pela gravidez da Tati, à espera de nossa primeira filha. Curtimos muito esse momento, fizemos planos e sonhamos juntos: nome do bebê, quarto do bebê, chá de bebê, roupas de bebê... E o parto, como seria? Tatiana sempre quis um parto normal. Eu nunca havia pensado no assunto. Não que eu achasse a decisão insignificante, mas eu sequer sabia que havia uma decisão a ser tomada. Nasci de parto normal e para mim o "normal" era o normal. Cesarianas seriam feitas, claro, em caso de necessidade, mas não a priori. Essa é a realidade dos partos em muitos países, entre os que tem na saúde um bem público. No Brasil há cenários muito diferentes na assistência pública e privada. Em ambos, existe imenso risco de violência obstétrica, que a propósito das notícias e debates da semana passada, existe e tem nome. Na rede particular há uma prevalência de cesarianas desnecessárias e muitas vezes impostas às mulheres sem que haja uma indicação com base em evidências científicas.
No nosso caso, depois de muita pesquisa, optamos por um médico do convênio que tinha uma boa reputação entre os raríssimos profissionais que assistiam partos naturais - aqueles cujas intervenções são mínimas, sem anestesia e episiotomia (técnica que consiste em um corte vaginal, na grande maioria das vezes desnecessário). Contratamos uma doula- uma super doula, diga-se - que fez toda a diferença nos cuidados com a Tatiana e no desfecho do parto e um pediatra, que prestou uma assistência extremamente respeitosa e não invasiva. Escolhemos um parto hospitalar. Naquela época, em 2008, eu nem podia ouvir falar em ter um filho em casa, não estava preparado para isso. Eu não possuía o conhecimento necessário para poder pensar diferente. E ela não tinha esse sonho, desejava uma assistência respeitosa e competente e sentia que tudo bem ir ao hospital. Enfim, o parto aconteceu. A Nina nasceu ótima, linda e saudável. A Tatiana feliz, porém desconfortável com a maneira com que havia sido tratada, sentiu -se pressionada e ameaçada pela possibilidade de uma cesariana desnecessária, pelos sinais de cansaço e possível desistência do médico em esperar o tempo do bebê nascer. Ameaçada com a possibilidade de sofrer um corte na vagina sem precisar. Eu estava tranquilo, ela estava tensa. Ainda na sala de parto, quando os avós entraram para conhecer a neta, Tatiana disse, sem pestanejar, que o nosso próximo filho nasceria em casa. Eu nunca tive dúvida que assim seria… e foram dois lindos partos domiciliares, com parteiras e doulas experientes, no aconchego do lar e muito amor. Estar em casa é mesmo sensacional. O mais importante aqui, entretanto, não são nossas opções pessoais e familiares. O que conta para mim, neste caso, é o respeito ao direito de uma mulher grávida poder parir seus filhos da maneira como ela desejar. Sinto que o papel do homem, ou do parceiro, independente do gênero, nesse momento, é apenas apoiar. É dar a mão. Sustentar a decisão e fazer com que tudo que foi sonhado e planejado seja viável da melhor, mais segura e mais acolhedora maneira possível. Sim, sou um apoiador entusiasmado do parto natural. Agora, não acho que nós pais devamos decidir a maneira como nossas companheiras devem parir. Pelo contrário. Não é nosso corpo que sofrerá um corte. Não é nosso corpo que suportará a dor de um parto, nem experimentará suas delícias. Devemos ouvi-las e acolhe-las. Quem deseja um parto natural, muitas vezes sofre uma grande resistência dentro da própria família. Não sejamos mais um a boicota-las, discrimina-las e desencoraja-las. Também não acho que faça sentido qualquer pressão para que as mulheres passem por uma experiência de parto pelo qual elas não desejam. Os filhos são do casal. O parto, é da mulher". Fotografia Sofia Colucci